A discussão judicial sobre a constitucionalidade do contrato intermitente de trabalho

O trabalho intermitente está previsto na nova redação do art. 443, caput e 452-A, caput da CLT e foi introduzida a partir da Reforma trabalhista apresentada pela Lei n. 13.467/2017, vejamos:

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.

Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

O que diferencia o contrato intermitente do regular, é que a subordinação não é contínua, ou seja, ocorre uma alternância de períodos de prestação de serviço e de inatividade, que pode ser determinado por horas, dias ou meses, dependendo da necessidade do empregador.

Outra diferença, é que o período em que o empregado não está trabalhando, não é contado como período a disposição, diferente do que determina o art. 4º da CLT. No contrato intermitente, é contado como tempo de trabalho somente o período em que o empregado está prestando seus serviços, conforme redação do art. 452-A, § 5º, vejamos:

5oO período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.

O ponto que mais interessa ao empresário que pensa em adotar esta forma de contratação, é que se paga somente pelas horas trabalhadas, bem como as demais verbas trabalhistas devidas por estas horas. Como férias proporcionais acrescidas de 1/3, décimo terceiro proporcional, repouso semanais remunerados e adicionais legais.

Portanto, cabe à empresa chamar o empregado, podendo este não aceitar o trabalho naquele momento, cabendo a empresa, entrar em contato e oferecer a posição para outro empregado, sem maiores prejuízos as partes.

Ocorre que a inconstitucionalidade desta forma de contrato está sendo levantada desde a sua apresentação na reforma trabalhista.

Diante disso, foi proposta a ADIn (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5628, tendo como requerente a Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Postos de Combustíveis e Derivados de Pretóleo – FENEPOSPRETO.

Referida Ação Direta de Inconstitucionalidade tem por objetivo a redação dada ao art. 443, caput e § 3º; artigo 452-A e respectivos parágrafos; artigos 452-B, 452-C, 452-D, 452- E, 452-F, 452-G, 452-H e 911-A, “caput” e parágrafos, em razão da ofensa aos artigos: 1º “caput” e incisos III e IV; artigo 5º “caput” e incisos III e XXIII; artigo 6º caput; artigo 7º caput e incisos IV, V, VII, VIII, XIII, XVI e XVII; 102, “caput” e inciso I e alínea “a”; 103, “caput” e inciso IX; 1; todos da Constituição Federal, combinados com a Lei n° 9.868/ 99.

Em suma, de acordo com a entidade, o trabalho intermitente é inconstitucional ao conceder ao empregado apenas o pagamento pelas horas trabalhadas, ressignificando o conceito de tempo de trabalho, ofendendo assim o princípio do retrocesso social, já que a ausência de garantia de jornada, e, consequentemente de salário, não garante a subsistência do trabalhador e de sua família com pagamento de um salário mínimo mensal constitucional.

Finalizando sustentando que o pagamento parcelado do décimo terceiro salário e férias acrescidas de 1/3, incorporado ao baixo salário, ao contrário do que se prega, não confere uma maior proteção ao trabalhador.

No dia 02 de dezembro de 2020, o Ministro conheceu parcialmente as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 5.826, 5.829 e 6.154 e julgou procedente os pedidos formulados para declarar a inconstitucionalidade do artigo 443, caput, parte final, e § 3°; artigo 452-A, § 1° ao § 9°, e artigo 611-A, VIII, todos da CLT.

O Ministro Fachin, relator, proferiu seu voto no sentido de que os dispositivos da reforma trabalhista não observam as garantidas fundamentais mínimas ao trabalhador e promovem a instrumentalização da força de trabalho humano, além de ameaçar a saúde física e mental do trabalhador.

Entende ainda, em suas palavras, que “esta modalidade de contrato de trabalho não se coaduna com a dimensão da dignidade da pessoa humana como condição primária de ter direitos a gozar dos direitos sociais fundamentais trabalhistas decorrentes da sua condição de trabalhador.”

Para o Ministro, uma modalidade de contrato de trabalho que não corresponde a uma real probabilidade de prestação de serviço e pagamento de salário ao final de um determinado e previsível período não passa por uma filtragem constitucional, representando uma ruptura com o sistema constitucional, entendendo que esta modalidade de contratação gere de fato, ainda mais insegurança jurídica.

Finaliza apontando que a relação jurídica existente no contrato intermitente, deve ser interpretada a luz dos direitos socais trabalhista, com a fixação, por exemplo, de horas mínimas a serem trabalhadas.

Ante a ausência de fixação de horas e rendimentos mínimos, o Ministro entendeu pela inconstitucionalidade dos dispositivos legais.

Para a Advocacia-Geral da União (AGU), o trabalho intermitente não buscou aumentar o nível de empregos à custa dos direitos dos trabalhadores que têm empregos. O advogado-geral, José Levi, sustentou que, ao invés de precarizar as relações de trabalho, a regra procurou legalizar uma alternativa ao trabalho informal e possibilitou retirar da informalidade mais de 500 mil pessoas desde que entrou em vigor. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também se manifestou pela constitucionalidade da norma.

Na votação, os Ministros Nunes Marques e Alexandre de Morais acompanharam o voto do relator Fachin no tocante ao conhecimento parcial das ações, mas no mérito, as julgaram improcedentes e declararam a constitucionalidade dos dispositivos legais impugnados.

Em seu voto, o ministro Nunes Marques, ao reconhecer a sua constitucionalidade, ponderou que o contrato de trabalho intermitente não representa supressão de direitos trabalhistas, fragilização das relações de emprego nem ofensa ao princípio do retrocesso.

De acordo com ele, a modalidade de contratação é constitucional, entre outros aspectos, porque assegura ao trabalhador o pagamento de parcelas como repouso semanal remunerado, recolhimentos previdenciários e férias e 13º salário proporcionais.

Além disso, proíbe que o salário-hora seja inferior ao salário-mínimo ou ao salário pago no estabelecimento aos trabalhadores que exerçam a mesma função, mas em contrato de trabalho comum.

Adotando a mesma linha de pensamento, o Ministro Alexandre de Moraes sustentou, em suas palavras que entende “ não haver qualquer vedação constitucional à ruptura com as formas tradicionais de contratação trabalhista, desde que sejam observadas os direitos sociais constitucionais.”

Segundo o Ministro, embora o legislador tenha inovado ao estabelecer um arranjo estrutural distinto do modelo tradicional, foram respeitados os direitos previstos nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal, conciliando-os com a necessidade de uma nova forma de contratação.

A Ministra Rosa Weber pediu vistas dos autos, logo, o julgamento ainda não foi finalizado.

A decisão pela inconstitucionalidade pode alterar a forma como o contrato de trabalho intermitente é regido, tendo em vista que no ano de 2019, conforme pesquisa realizada pelo IBGE com base no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) foram registradas mais de 155 mil contratações sob essa modalidade.